Alguns estudiosos acreditam que a depressão é hereditária e, pelo menos no meu contexto familiar, faz sentido. Venho uma longa linhagem de mulheres sofridas e deprimidas que nunca souberam o nome que essa “ausência de vida enquanto se existe” tem. Fui a primeira a procurar saber lidar com essa angústia que nos esmaga.
Quando engravidei, em 2022, ainda fazia uso de medicamentos (tomava venlafaxina e pregabalina todos os dias). Falei com minha psiquiatra que estava grávida e ela optou, então, por começarmos o desmame. Ela me disse que até seria seguro continuar me medicando mesmo grávida, mas como eu vinha de um momento muito bom e sem oscilações de humor, ela enxergou nisso uma possibilidade de finalmente começarmos o desmame. Já me medicava há anos. Combinamos todos os trâmites (diminuir a dosagem dia após dia, trocar a noite pelas manhãs e outras coisas que já não me lembro) e eu me senti animada. Na minha cabeça, era como se fosse um prêmio por bom-comportamento. “Não estou descontrolada, vou conseguir viver sem remédios!”. Quando fiz uma piada do tipo, ela me advertiu francamente: “É importante lembrar que você tem depressão e no puerpério é bem difícil que seu quadro não volte”.
Ela não mentiu: 25% das mães brasileiras são acometidas pela depressão pós-parto no período de seis a 18 meses após o nascimento do bebê — e esse número aumenta em mulheres que já apresentaram depressão antes. Então é claro que eu tive DPP1.
Baby blues e dias escuros
Na época, minha médica me explicou que os Blues eram diferentes da DPP. Essa matéria da Marie Claire sintetiza o assunto:
O baby blues, também conhecido como tristeza materna, é um quadro transitório que ocorre nos primeiros dias depois do parto. É comum que as mães experimentem um estado de tristeza, melancolia, choro frequente, sensibilidade emocional aumentada, irritabilidade e ansiedade. Estima-se que a condição acometa de 50% a 85% das pessoas que dão à luz.
Enquanto isso, a DPP vai mais além. Ela é um “quadro depressivo que pode surgir a partir da quarta semana após o parto até o décimo oitavo mês de vida do bebê. Seus sintomas incluem tristeza constante, perda de vitalidade, falta de prazer, distúrbios alimentares e de sono, sensação de rejeição pelo bebê e até mesmo pensamentos suicidas.” E é aqui que eu me encaixo.
Minha depressão pós-parto foi a terceira vez em que tive um quadro depressivo mais intenso. Porém, nessa terceira vez, eu não tive consciência de que estava em um quadro depressivo. Diferentemente das duas anteriores, onde eu entendia que tinha algo errado, na DPP eu acreditava estar bem. Me sentia extremamente triste, de um jeito que talvez eu nunca tivesse sentido, sim. Senti uma espécie de luto, uma incapacidade de ver futuro, de ver melhoria, também. Senti tudo isso elevado a décima quinta potência. Eu pensei que nunca mais seria feliz, mas também pensei que ser mãe era isso. Na minha cabeça, eu não estava deprimida, eu tinha virado mãe, o que significava que eu me sentiria daquele jeito pra sempre.
Quando eu lembro dos três primeiro meses da minha filha, me lembro de tudo como se com pouca luz. Parece que vivi esse trimestre em um túnel e todas as lembranças são escuras, difíceis de qualquer visualização. Quando vejo qualquer foto ou vídeo desse período eu sinto uma tristeza muito grande, uma verdadeira agonia. Eu sempre agradeço por ter passado porque, felizmente, passou. Ela foi intensa no primeiro trimestre, melhorou quando Maria tinha 6 meses, ficou terrível quando ela chegou aos 12 meses. Demorou muito para eu realmente ter ficado bem. Não voltei com medicação porque amamentava, mas voltei com a terapia e com os exercícios. Foi um período muito difícil, traumatizante, mas passou e com o apoio da família, com ajuda profissional e com medicamentos, ela passa. Como eu falei na minha newsletter pessoal, a depressão é uma condição que vai e volta durante a vida — inclusive, mulheres que nunca tiveram o quadro, mas tiveram no pós-parto são suscetíveis a tê-lo novamente — e quanto antes a gente aprender a conviver com isso, menos difícil fica.
E mãe pode ficar triste?
É claro que não pode. Mães são perfeitas e não podemos expor nada além de um sorriso gigante e um bom humor aos nossos filhos. Não podemos ficar tristes se não somos péssimas mães, vamos traumatizar as crianças e, afinal de contas, mães não sofrem. Na nossa cabeça nublada por hormônios e tristeza é exatamente isso que pensamos. Já estamos falhando por não estarmos felizes — como assim existem mães que não são felizes? E veja só, quem diria: essa falta de felicidade nada tem a ver com falta de amor.
Depois da advertência da minha psiquiatra, comecei a ler tudo sobre não amar a criança imediatamente. Tinha certeza de que minha depressão seria tão forte que eu seria incapaz de receber minha filha como sempre imaginei, com todo o amor e apaixonamento do mundo. Por aqui, não foi o caso, embora isso seja comum — amo Maria desmedidamente desde a primeira vez que a vi respirar fora da minha barriga. E talvez por isso, por já amá-la tanto, mais culpada e triste eu me sentia. Sentia que a minha tristeza era cruel com ela. Que ela não merecia.
02 de abril de 2023 - 18h29 - das minhas notas do celular.
6 meses de Maria Clara
Às vezes me sinto culpada por ficar triste. Mas fico. Tem dias cinzas em que só quero me jogar, sim, na tristeza e deixar que ela me abrace, me impeça de trocar de roupa ou de sorrir. Tem dias, acontece. Mas depois que a Maria nasceu eu me sinto culpada. Como assim eu estou triste tendo esse sorriso? Ouvindo essa gargalhada? Tem dias tristes. Os meus são intensos, mas antes eles só doíam, não me deixavam culpada. Não existia essa sensação de “eu deveria estar ali pra ela, em vez de querer estar deitada enrolada na coberta”. Ou “eu deveria estar brincando”, em vez de só querer desaparecer. Tem dias assim. Percebo que com a maternidade, casamento e etc, acolher minha tristeza ficou difícil. Parece errado, sabe? Sinto falta de acolher meus sentimentos nesses dias em que eles transbordam o copo meio vazio.
Depressão dói. Em mãe, dói ainda mais.
Para sair desse quadro não é fácil. Nem sempre o medicamento é possível (para mim não foi, já que eu amamentava), mas pude compensar a falta dele pelo esporte 3x por semana e terapia. Estava aberta a parar de amamentar para voltar com a venlafaxina, mas não foi preciso. Rede de apoio é fundamental — pai, avós, tios, amigos. Todo mundo pode ajudar uma mãe em DPP. Compreensão é muito importante. Não sei onde estaria e como seria se meu marido não fosse compreensivo e entendesse o que eu vivia. Paciência, principalmente. Paciência com você, com o seu sentir e com o seu processo de cura. Vai passar. Talvez não pra sempre, mas vai melhorar. <3
Se você estiver passando por isso, fica o meu abraço e meu conselho: procure ajuda. Você não está falhando por estar triste.
💬 Falando nisso…
Transtornos de humor pós-parto que são menos conhecidos. Um texto engraçadinho, mas que 100% das mães que eu conheço vão se identificar. Na New Yorker.
Nesse episódio do 1001 Tretas, a Thaila Ayala e a Julia Faria falam com os psicólogos Alexandre Coimbra e Patrícia Piper sobre Saúde Mental Materna ao longo dos anos. Vale o play!
Esse reels da Dra. Catia Chuba, que fala também sobre a solidão materna.
Para ler no banheiro:
📷 A Rihanna compartilhou uma foto do ensaio que fez na Interview com a melhor legenda possível.
Pra você ver como a humilhação do puerpério acomete literalmente toda mortal, né.
🤳🏾 Essa matéria da Cosmopolitan fala sobre o preço a ser pago pelas infâncias transformadas em conteúdo. Em inglês.
→ Falando nisso, a última edição do 1001 em tretas fala sobre a exposição das crianças nas redes sociais.
🗯️ A trend dos palavrões deu o que falar e dividiu opiniões dos pais pela internet. Enquanto alguns pais acreditam ser uma forma engraçadinha de incentivar a liberação de sentimentos (e de hitar no TikTok), psicólogos afirmam que existem formas mais saudáveis das crianças extravasarem. Essa matéria do Nexo explica.
DPP: Depressão Pós-Parto
Hoje, com dois filhos já grandes (13 e 9 anos), eu consigo entender que tudo que eu sentia era DPP. Custei, e isso me derrubou muito, porque a sensação de não poder falhar e a culpa de como eu posso estar triste me acompanharam muitos anos. Eu li um livro que falava também que muitas das coisas que a criança sofria era porque a mãe não estava bem resolvida com seu passado e suas sombras (resumo rápido e raso), e quando meu caçula nasceu prematuro e começou a crescer cheio de alergias e problemas respiratórios, piorou muito. Eu tinha certeza que eu era culpada por isso, por ter me separado semanas antes dele nascer, e que eu ia traumatizar ele pro resto da vida e acabar com o futuro dos dois por isso.
Era depressão, e hoje eu rio disso, mas só fui começar a me tratar em 2024 e perceber que isso já me acompanhava de décadas antes, e a DPP terminou de me jogar na lona.
Ninguém perguntou essa história toda, mas enfim, obrigada por este texto (que só me alcançou agora em 2025). Espero que mais mães possam acessar e que as ajude.