Teta à Teta #4
Cansei de ser sexy. Ou um texto sobre a crise do guarda-roupa e como nunca é só sobre um look.
Tudo começou quando vi uma influencer que eu amava, postando um look todo transparente. Sob a alcunha de naked dress, o vestido era de um tecido bem leve que deixava a lingerie à mostra. Ela usou em algum festival, sob a luz do dia, e eu imediatamente torci o nariz, como uma verdadeira senhora conservadora. “Nossa, mas será que não é too much?", pensei amargurada e envergonhada na mesma proporção, afinal, não precisei de nem cinco minutos de autoreflexão para entender o porquê do meu descontentamento com o look da minha blogueira favorita. Era porque eu tinha acabado de parir.
Dedicada a estudar meu próprio estilo e o porquê do meu descontentamento, fui olhar o meu arquivo de fotos no Instagram. Nos vários registros feitos ao longo dos anos, entendi não só que meu estilo nunca foi exatamente definido, como também sempre lancei mão de peças que, naquele dia, eu demonizava — como os supracitados vestidos transparentes que “mostravam tanto”, as saias curtíssimas à lá Miu Miu e outras coisas mais. Fiquei um pouco impressionada ao enxergar como todas aquelas coisas que me eram tão banais, naquele dia, me pareciam distantes Fazia sentido: enquanto meu corpo ainda se ajeitava depois de (literalmente) expulsar um novo ser humano, eu tentava reconhecer quem eu era na frente do espelho e descobrir o que mais tinha mudado.
A resposta curta é: tudo.
Sensualidade como afronta
A primeira coisa que eu fiz, depois de parir, foi me esconder. Eu, que sempre dormi de camiseta e calcinha, agora usava pijamas longos, camisolas e hobbies e sutiã. Além da fisicamente incômoda sensação de que meus órgãos estavam se ajeitando e voltando aos seus devidos lugares aos poucos, eu não queria ter que lidar com a constante exibição de um corpo que eu não reconhecia. Os vestidos foram substituídos por camisas 3x maiores que meu número. Calças jeans deram lugar às de tecido - quanto mais soltas, melhor. Blusinha? Legging? Jamais. Nos meus primeiros meses sendo mãe, eu evitava que meu corpo fosse visto por qualquer pessoa que não fosse eu e, naturalmente, qualquer ideia de sensualidade estava tão escondida quanto minha pele.
Naquele momento, eu não só conseguia me imaginar deixando de usar sutiã novamente, como não conseguia enxergar a menor possibilidade de voltar a me sentir sexy. Repetia a mim mesma que aquela performance (que sim, me fazia bem, me fazia sentir bonita e, também, me divertia), não me pertencia mais — assim como meu próprio corpo. Esse pensamento, que hoje vejo que foi muito enviesado pela depressão pós-parto, me fazia sentir ressentimento de qualquer pessoa que ousasse viver sua liberdade da forma que eu vivia. Ver pessoas explorando seus corpos por meio de suas roupas me parecia uma afronta. Eu vivia em uma constante briga interna: ao mesmo tempo em que eu tentava me consolar e dizer que passaria, eu não conseguia conter a frustração e a ideia de que eu nunca mais me sentiria bonita.
E tem quem acha que o problema é só a barriga!
A mudança que vem de dentro e etc
É natural que exista uma crise de estilo depois que você vira mãe porque nada, nunca mais, será como antes. Algumas coisas voltam ao “antigo-normal", sim, como uma calça jeans que deixou de servir por causa da barriga, um sapato fechado que parou de incomodar tão logo a barriga foi embora, ou um vestido que agora não te faz parecer uma melancia. Outras, porém, mudam completamente: a textura da pele, a grossura do fio de cabelo, as manchas, o peso, o formato do peito, o nariz. E se nada parece como antes por fora, imagina por dentro? E se a gente usava a moda como expressão, como expressar o que a gente ainda nem sabe o que é?
Historicamente, a identidade feminina foi construída ao redor da ideia de que o corpo da mulher existe para gerar um ser humano. Segundo a psicanalista Maria Rita Kehl1, a performance de feminilidade também aparece como um reforço para essa função, o que faz sentido uma vez que o uso da moda também como expressão pessoal (e não só como representação de classe e propriedade) é relativamente recente. Porém, somos mães millennials, o que significa que desde que nascemos, a moda já foi além do status social. Nós nos comunicamos por meio das nossas escolhas, nos posicionamos e nos identificamos pelas roupas. Se a moda é uma das nossas formas não-verbais de comunicação, é natural que a crise de estilo seja vista como algo difícil de atravessar na maternidade.
Nunca foi só um look.
Não passa. Mas transforma.
Minha filha vai fazer 2 anos em outubro, acabou de desmamar e só agora eu começo a entender o meu corpo e a começar a querer criar um estilo, novamente. Voltei a usar roupas apertadas e, veja só, estou escrevendo essa newsletter sem sutiã! Mas tudo mudou, é claro. Ainda não me sinto confortável para ser sexy e ainda me sinto meio esquisita com um vestido mais curto. Mas ao mesmo tempo, não me sinto mais assustada por pensar na possibilidade de usá-lo. Se tudo se transforma na maternidade, não é exatamente chocante que o nosso estilo também faça parte desse processo. Mas se antes eu não conseguia enxergar prazer nessa mudança, hoje vejo que ele existe — e que, quem diria, começar a entender uma nova forma de expressão por meio do meu guarda-roupa voltou a ser excitante.
As coisas voltam pra gente.
💬 Falando nisso…
→ No final do ano passado, muito se falou sobre como as mães estavam em alta nas passarelas. O retorno da Phoebe Philo às semanas de moda foi o início dessa conversa que foi muito bem analisada pelo Portal das Modas, no Instagram.
Porém, fica a reflexão: tratar a maternidade como uma tendência (ou seja, algo cuja relevância é passageira) é uma forma legítima de empoderar mulheres que vivem a maternidade? O quanto a moda realmente olha para mães?
→ Eu sou apaixonada pela Misci e essa fala do Airon Martins sobre sua mãe virou meu império romano por um longo tempo. Imagine só se essa mulher que usava luvas de couro no calor do Mato Grosso do Sul tivesse sucumbido ao ímpeto de esconder seu corpo? Obrigada por tudo, mãe do Airon!
Para ler no banheiro:
🙇🏽♀️ O esgotamento de ser mãe de filha atípica: Em entrevista para o Universa, a jornalista Carol Pires fala um pouco sobre como é solitário experienciar a maternidade atípica. Um relato bem pessoal e indispensável.
💍 Você sabe o que é a Síndrome da Escolhida? Nessa matéria da Mina, a autora Adriana Ventura explica porque mulheres preferem viver em relacionamentos ruins do que sozinhas.
→ Falando nisso: o livro A Rosa Mais Vermelha Desabrocha, da ótima Liv Strömquist, que fala sobre os relacionamentos no capitalismo tardio e como nós, mulheres, ainda achamos que o desinteresse em uma relação é culpa nossa(!)
💰 Quanto custa ser mãe solo no Brasil: Esse estudo lançado em junho, pela Contente, traz um extenso estudo sobre as condições de mães solo no País (e como a ideia de criar um ser humano com R$ 500 não faz o menor sentido). Para salvar e compartilhar com todo mundo.
No livro "Deslocamentos do feminino: A mulher freudiana na passagem para a modernidade"